O Centro de Convivência Negra da Universidade de Brasília (CCN/UnB) repudia veementemente as ações de Sérgio Camargo, atual presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), por suas atuações frente ao cargo e demonstra total apoio à deliberação do Ministério Público Federal (MPF) em autuá-lo, por improbidade administrativa por autorizar postagens que vão contra a realidade histórica da população negra brasileira, chegando ao ponto de tentar desfigurar os avanços do movimento negro, instrumentalizando a Fundação para fins políticos de aparelhamento ideológico.


É inadmissível a postura por parte de uma liderança negra na, até então ilustre Fundação Cultural Palmares – um espaço de representatividade negra – que ignore o povo negro e a sua luta, colocando em xeque a missão tão tradicional de resguardar e promover a identidade de pelo menos 53% da população do país.
Era esperado para o dia 13 de maio de 2020, dia de rememoração da Lei Áurea – 132 anos desde que foi promulgada – uma celebração do protagonismo negro em sua conquista pela liberdade, que sabemos não ter sido tão imediata, mesmo com a outorga da Lei. Contudo, o presidente se deixa levar por polarizações políticas, ataques partidários pífios, demonstrando inaptidão para conduzir as atividades da Entidade.


Sendo assim, era esperado de um presidente à frente da Fundação Palmares reemergir da história os eventos que contribuíram paulatinamente para que a abolição da escravatura ocorrece como, por exemplo, os centros de resistência: Quilombo dos Palmares em Alagoas, de 1580 a 1695, e Quilombo de Quariterê no Mato Grosso, de 1730 a 1795; as manifestações populares como a Revolta do Engenho de Santana em Ilhéus (1789 e 1824), a Revolta de Búzios na Bahia em 1798, a Revolução Pernambucana em Pernambuco (1817), a Revolta das Carrancas em Minas Gerais (1833), a Revolta dos Malês na Bahia em 1825, a Balaiada no Maranhão em 1838 à 1841, a Revolta de Manoel Congo no Rio de Janeiro em 1838, a Revolta de Queimado no Espírito Santo em 1849, a Greve Negra de 1857 na Bahia, o Levante dos Jangadeiros no Ceará em 1881 e a Revolta do Cantagalo em Campinas em 1885.


Ainda assim, poderia ter ilustrado nomes mais legítimos para a construção da abolição como os de Adelina, a charuteira; Maria Firmina dos Reis, escritora abolicionista; Maria Tomásia Figueira Lima, aristocrata cearense pró-abolição; Luís Gama, que advogou por alforrias; André Rebouças, engenheiro que queria terras aos libertos; José do Patrocínio, difusor abolicionista; Dragão do Mar, jangadeiro que comandou a greve de 1881 e os jornalistas abolicionistas Joaquim Nabuco e Angelo Agostini. Tantos nomes e movimentos legítimos que não foram suscitados, sequer citados pela Fundação.


Não obstante, Sérgio Camargo vinculou textos que reforçam o “mito do salvador branco” ao reafirmar a leviana narrativa em que a princesa Isabel teria bondosamente intercedido pela causa abolicionista, dando liberdade aos pretos, quando é amplamente sabido que foi levada pela pressão da Coroa Inglesa em findar o tráfico negreiro e constituir novos consumidores. Concepção esta, que foi abandonada por historiadores e que tem sido combatida pelo movimento negro que busca desvincular do imaginário da nossa civilização, a ideia de um negro passivo que não corresponde com os registros históricos marcados por constantes insurreições e enfrentamentos.
Não satisfeito, o presidente e seus diretores de departamentos, Laércio Fidelis Dias e Ebnézer Maurílio Nogueira da Silva, ainda ousaram, com apoio de pessoas aparentemente acadêmicas, ironizar a figura de Zumbi dos Palmares, o escravo que liderou o mais próspero quilombo historicamente registrado, o de Palmares. Porém, numa tentativa pueril de revisionismo histórico, Camargo demonstra alinhamento político que não coaduna com o povo que representa frente ao seu cargo.
Fazendo do Portal da Palmares uma extensão das suas redes sociais, o dito presidente, incendeia discussões que fragmentam os esforços pela unidade da resistência negra em seus empreendimentos de afirmação na sociedade. Trata-se de um crime que, embora não instabilize a consciência e a autoafirmação dos negros brasileiros que reverenciam fidedignamente a história de seus ancestrais, pessoas que tão duramente se opuseram às ideologias dominantes de sua época, precisa ser julgado e respondido à altura do desrespeito proporcionado. Razão pela qual recorremos à Justiça para que este e todo e qualquer outro ataque à memória da escravidão que tanto ousam apagar, seja repreendido exemplarmente.


Para fim didático, esclarecemos ao senhor Sérgio Camargo e a toda a sua equipe que o herói da abolição da escravatura é o próprio negro e é imprescindível que esta Fundação Palmares reconheça o fato. Do contrário não há motivo para que esta gestão permaneça mantendo um desmonte à história e a cultura do povo negro e do Brasil.