“Diálogos Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50: contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver” celebram, na Universidade de Brasília, 30 anos de articulação política de ativistas afro-brasileiras

 

por Vanessa Vieira, Secom UnB

 

“Se a carga para todas as mulheres é pesada, para nós, mulheres negras e indígenas, é muito mais. Sobre nós recai não só o peso do machismo, mas também do racismo.” A afirmação da educadora quilombola Givânia Maria da Silva sintetiza a importância do seminário Diálogos Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50: contra o Racismo e a Violência e pelo Bem-Viver, realizado nesta quarta-feira (20), em parceria entre a Universidade de Brasília e a ONU Mulheres.

O seminário encerrou o ciclo de três encontros da ONU Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, realizados na capital com objetivo de debater gênero e raça na realidade do Brasil e da América Latina. A abordagem presente nos eventos relacionou a temática aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que integram a agenda 2030 das Nações Unidas.

“Apesar de não ser um ODS em específico, a questão de gênero e raça é transversal a vários dos objetivos. Inserir esse debate na agenda é uma oportunidade de pautar de forma mais efetiva a questão das mulheres negras, pois a ONU dialoga com governos e sociedade civil”, detalhou Givânia, que também é doutoranda em Sociologia na UnB e membra do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030.

Integrando a mesa de abertura do seminário, a reitora Márcia Abrahão ressaltou a importância da luta pela igualdade de gênero. “Sou a primeira reitora mulher em 56 anos de Universidade. Somos maioria entre estudantes, mas, quando chega nos cargos de gestão, uma minoria se estabelece. Tenho a obrigação de deixar um legado para mulheres, particularmente as negras”, disse. A reitora destacou que a iniciativa fortalece a parceria já existente entre a ONU Mulheres e a UnB.

Representando coletivos de estudantes negras da UnB, Ingrid Ohana Moura defendeu que a política de cotas raciais seja estendida à pós-graduação. “Espero um dia ter um ambiente acadêmico mais representativo, sem assédio e racismo. Nós, mulheres negras universitárias, precisamos de oportunidades, temos pressa”, sustentou a ativista, que integrou a mesa de abertura do seminário.

Direitos iguais – Avanços nas políticas públicas de igualdade de direitos e de participação política e combate à intolerância e à violência são reivindicações apontadas por Creuza Oliveira, secretária geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas e membra do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030. “Estamos completando 130 anos de abolição da escravatura, mas, quando assinaram a lei, não assinaram nossas carteiras de trabalho, não nos deram moradia e oportunidade iguais. Falo em nome das trabalhadoras domésticas que ainda hoje vivem retrocessos trabalhistas”, disse a ativista.

Creuza Oliveira defendeu que população negra seja representada na esfera política. “Queremos estar nos espaços de decisão, para que a população negra tenha visibilidade. Marielle é um dos casos de extermínio: mulher jovem e negra, que conseguiu chegar a um espaço de poder tão difícil para nós. Poucas mulheres negras conseguem ser eleitas e, quando chegam ao poder, querem calar nossa voz”, protestou, em referência ao assassinato ocorrido em março.

Debatedora no painel Mulheres Negras: 30 anos de direitos e ação política contra o racismo e o machismo no Brasil e influência na América Latina, a deputada federal Benedita da Silva integrou a assembleia constituinte de 1988 e foi a primeira mulher negra a ocupar uma vaga no Senado Federal. Ela reforçou que a presença da mulher negra na política – conquistada a duras penas – é uma vitória da qual não se pode abrir mão.

“O processo de colonização e escravidão no Brasil resultou em um racismo e em um machismo praticamente insuperáveis. São concepções que foram colocadas sobre nós, com impacto em nossas relações no mercado de trabalho e na ascensão do ponto de vista social, político e econômico”, afirmou a deputada.
Diante do questionamento do público sobre como as mulheres negras podem atuar face ao descumprimento dos direitos fundamentais da constituição, a mediadora do painel e docente do Instituto de Artes da UnB, Lourdes Teodoro, falou sobre a força da mobilização articulada.

“Não podemos perder de vista nossa capacidade de mobilização para resolver problemas cotidianos. Me preocupa pensar que, se o Estado não está fazendo algo, estamos impotentes. Jamais estaremos impotentes se acreditarmos na força de pessoas que se unam por interesse comum”, expressou Lourdes. O painel teve ainda a colaboração da educadora Givânia Maria da Silva e de Rosario de los Santos, coordenadora do Cone Sul da Rede de Mulheres Negras Afro-latino-americanas, Afro-caribenhas e da Diáspora.

30 anos de ativismo contemporâneo – O seminário marca a memória dos 30 anos de articulação política do movimento de mulheres negras no Brasil, em referência ao I Encontro Nacional de Mulheres Negras, realizado em 1988. A iniciativa também relembra os 130 anos da abolição da escravatura, as três décadas da promulgação da Constituição de 1988 e os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Para Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres Brasil, a parceria com a UnB fortalece o “enfrentamento ao machismo, sexismo e outras formas de violação de direitos de mulheres” e dá centralidade à mulher negra nos debates acadêmicos. A representante da ONU enfatizou a necessidade de humanizar as universidades e fortalecer nestas instituições a referência de direitos humanos. “Reafirmo a importância do pensamento plural que a universidade proporciona para a autonomia de sujeitos, incluindo sua capacidade crítica e propositiva”, defendeu.

Outros dois painéis integraram a programação do evento, que teve a presença do ministro-conselheiro da Embaixada do Reino dos Países Baixos, Roderick Wols, e de outros representantes e ativistas do movimento de mulheres negras. A atividade aconteceu no auditório da Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec).

 

 

   

 

       

         Foto: ONU Mulheres/Felipe Costa